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No final dos anos oitenta costumava ir , junto com algus amigos artistas , tomar um cerveja na casa do Maurício Nogueira Lima … Naquela época era ( e hoje ainda penso que é ) hábito dos jovens artistas visitarem os mais artistas veteranos … Lendo “OS DETETIVES SELVAGENS” do chileno-pero-que-mexicano Roberto Bolaño, reparei que um dentre os muitos relatos do livro, descreve uma situação bastante parecida : Amadeo Salvatierra , um velho escritor , recebe a dupla de poetas Arturo Belano e Ulisses Lima , que desejavam saber sobre uma escritora que desaparecera no deserto mexicano , Cesárea Tinajero . Amadeo havia participado com ela , na década de vinte do Realismo Visceral , movimento que os dois pretendiam retomar na década de setenta ( tal qual os tropicalistas fizeram a releitura do modernismo ) . O velho poeta lhes mostra então a única revista em que Cesárea publicara : Caborca e abre para eles uma garrafa de Mescal “Los Suicidas” ( talvez a última garrafa que restara no México , uma vez que esta marca não era mais fabricada ) . Quando acaba a bebida , os dois jovens saem para comprar mais outra garrafa … Leiam um pedaço do original:

“E um deles disse vou já comprar outra garrafa de tequila. E eu disse vá logo, e tirado energias do passado me levantei e me arrastei (como um relâmpago ou como a idéia de um relâmpago) pelos corredores escuros de minha casa até a cozinha, abri todos os armários em busca de uma improvável garrafa de Los Suicidas, embora soubesse perfeitamente que não sobrava nenhuma, renegando e xingando mães, fuçando entre as latas de sopa que às vezes meus filhos traziam, entre trastes imprestáveis, aceitando finalmente a malvada realidade, mergulhando a cabeça de meus fantasmas e escolhendo sucedâneos: pacotinhos de amendoim, uma latinha de chile chipotle (*), um pacotinho de biscoitos salgados, com o que voltei em velocidade de cruzador da Primeira Guerra Mundial, cruzador perdido nas névoas de um rio ou da foz de um rio, não sei, perdido em todo caso, pois o fato é que meus passos não desembocaram na sala, mas em meu quarto, papagaio, Amadeo, disse a mim mesmo, você deve estar mais bêbado do que imagina, perdido na bruma, com apenas uma lanterninha de papel pendurada em seus canhões de proa, mas não me desesperei e encontrei o rumo, passinho a passinho, tocando minha sineta, barco no rio, vaso de guerra perdido na foz do rio da história, (…) então eu via a porta bater, depois umas vozes e disse comigo, Amadeo, deixe de ser babaca e siga na direção das vozes, fenda com sua carcomida e enferrujada proa as trevas deste rio e volte para junto de seus amigos, foi o que fiz e assim que cheguei à sala, com os braços repletos de tira-gostos, e na sala já estavam sentados os rapazes, me esperando, um deles já havia comprado duas garrafas de tequila. Ah, que alívio chegar à luz, mesmo que esta seja uma vaga penumbra, que alívio chegar à claridade.”

( Roberto Bolaño – tradução : Eduardo Brandão )

(*) Pimenta defumada

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