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Acabei de ler “Os Lusíadas”… e gostei sobretudo do final, quando após ter descoberto o caminho das Índias, Vasco da Gama é levado por Vênus para a Ilha dos Amores, onde seus marinheiros são contemplados pelas ninfas com vinhos, manjares e outros prazeres … Lá é dado ao ilustre navegador a oportunidade de contemplar o funcionamento do universo (segundo a astronomia da época, a ptolomaica). Adoro estes momentos em que os personagens após enfrentarem agruras, alcançam um vislumbre do universo !!!
Aqui vão três fragmentos que selecionei, o primeiro (estrofe 14 do Canto VI) quando Baco (que quer atrapalhar as conquistas lusitanas) vai até o reino de Netuno, convencê-lo para mandar tempestades para afundar a heróica esquadra … o segundo fragmento (estrofes 79 e 80 do Canto X) é quando Vasco da Gama vislumbra a “máquina do mundo” e o terceiro (estrofe 145 do Canto X) é um desagravo de Luís de Camões contra os seus patrícios (antevendo assim a derrocada do Império Português) … É curioso que Camões, antes de morrer, vendo Portugal passar para o domínio espanhol (devido ao desaparecimento de Dom Sebastião em Alcácer-Quibir) escreveu para um amigo estas palavras: “Enfim, acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado à minha pátria, que não me contentei de morrer nela, mas com ela”.
Aqui vão os fragmentos:

Pouca tardança faz Lieu irado
Na vista destas cousas, mas entrando
Nos paços de Neptuno, que, avisado
Da vinda sua, o estava já aguardando,
Às portas o recebe, acompanhado
Das Ninfas, que se estão maravilhando
De ver que, cometendo tal caminho,
Entre no reino d’água o Rei do vinho

(Os Lusíadas – estrofe 14 do canto VI)

Uniforme, perfeito, em si sustido,
Qual, enfim, o Arquetipo que o criou.
Vendo o Gama este globo, comovido
De espanto e de desejo ali ficou.
Diz-lhe a Deusa: «O transunto, reduzido
Em pequeno volume, aqui te dou
Do Mundo aos olhos teus, pera que vejas
Por onde vás e irás e o que desejas.

«Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assi foi do Saber, alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfície tão limada,
É Deus; mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.

(Os Lusíadas – estrofes 79 e 80 do Canto X)

No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Dhüa austera, apagada e vil tristeza.

(Os Lusíadas – estrofe 145 do canto X)

Para finalizar fiquem com a homenagem que Jorge Luís Borges fez ao poeta lusitano:

“A Luís de Camões

Sem cólera nem mágoa arromba o tempo
As heróicas espadas. Pobre e triste,
À nostálgica pátria regrediste
Para com ela morrer nesse momento,
O capitão, no mágico deserto.
Tinha-se a flor de Portugal perdido
E o áspero espanhol, antes vencido,
Ameaçava o seu costado aberto.
Quero saber se aquém da derradeira
Margem compreendeste humildemente
Que o império perdido, o Ocidente
E o Oriente, o aço e a bandeira,
Perduraria (alheio a toda a humana
Mudança) em tua Eneida lusitana.”

( Jorge Luis Borges)

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