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“Estou ficando louca?, pensei. Foram esses a loucura e o medo de Arthur Gordon Pym? Estou recuperando o juízo numa velocidade vertiginosa? As palavras estalavam dentro de minha cabeça, como se uma giganta estivesse gritando dentro de mim, mas do lado de fora o silêncio era total. A oeste, o sol se punha, e as sombras, lá embaixo, no vale, se encompridavam e o que antes era verde agora era verde-escuro, e o que antes era marrom agora era cinza-escuro ou negro.
Vi então uma sombra diferente, como a que as nuvens projetam quando se movem depressa por um grande prado, se bem que essa sombra não fosse projetada por nenhuma nuvem no extremo oriental do vale. Que era isso? Perguntei-me.
(…) E soube que a sombra que deslizava pelo grande prado era uma multidão de jovens, uma inacabável legião de jovens que se dirigia a algum lugar.
(…) Caminhavam para o abismo. Creio que soube disso desde o primeiro momento que os vi.
Sombra ou massa de crianças, caminhando indefectivelmente para o abismo.
Depois ouvi um múrmúrio que o ar frio do entardecer no vale levantava em direção às encostas e as escarpas, e fiquei estupefata.
Estavam cantando.”

(Roberto Bolaño)

Quem ler “O Amuleto” (livro do qual retirei o fragmento citado acima) perceberá que Bolanõs cita o (único) romance de Edgar Allan Poe, “Narrativa de Arthur Gordon Pym”, e nesta citação se desvenda uma das chaves do livro: Tanto a protagonista do livro do chileno-mexicanizado, Auxilio Lacouture, quanto o personagem do Bostoniano- baltimorizado, Arthur Gordon Pym, passam dias enclausurados (ela acuada no banheiro da Faculdade de Filosofia e Letras na Cidade Do México em 1968, diante da invasão de policiais no campus universitário) ele no porão do navio Grampus (ele foge dos pais clandestinamente, escondido no porão de um navio, porém este navio sofre um motim e o amigo que iria tirar ele de lá demora pra burro); ela comendo papel higiênico, ele couro de sapato, e no final de ambas obras, ambos protagonistas afrontam abismos terríveis nos finais de ambas obras!!!
(reparem também na metáfora entre a juventude mexicana e a cruzada das crianças
Li recentemente, além destes livos, uma pequena obra prima de Herman Melville: “Baterbly” … Genial: um copista que em um escritório de advocacia dizia diante das ordens do chefe: “prefiro não fazer” !!!

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