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O CANTOR SOLUÇANTE

Primeira Parte

Gustavito Ramirez era o que se costuma chamar de sujeito esquisito, depois de uma infância tranquila na cidade de Santiago Suchilquitongo (no estado de Oaxaca,México), sua família se mudou para o interior de Goiás, mais precisamente para Goianira, após passar a adolescência nesta cidade, ouvindo no rádio os sucessos da Jovem Guarda, o nosso protagonista rumou para Villa Luzuriaga na Grande Buenos Aires, onde exerceu o ofício de marceneiro enquanto sonhava em se tornar um lutador de boxe, imaginando seu nome estampado nos letreiros do Luna Park para a grande luta valendo o cinturão mundial dos médio-ligeiros… mas após ingressar para um grupo político radical, Gustavito foi perseguido pelo regime militar, tendo que exilar em Cork, na Irlanda onde trabalhou como estivador… após juntar algum dinheiro ele arrendou um Pub… nesta altura do campeonato o nosso amigo já havia esquecido de tentar a sorte nos ringues e decidiu se dedicar a música, sendo que após aprender violão, passou a se apresentar no seu Pub, já batizado de “Youth Guard´s Little Corner” com um repertório das canções que aprendera no Brasil misturado com os boleros mexicanos (que sua mãe costumava cantar) e também alguns tangos… sua peculiaridade como cantor era que Gustavito Ramirez desenvolveu uma técnica de marcar o compasso das música com soluços…

Segunda Parte

Passados muitos anos ele não aguentava mais o cheiro de Kidney Pie, se desfez do Pub e resolveu montar uma pousada no interior do Brasil, mas ao invés de Goiás ele preferiu se instalar no sul de Minas Gerais, em uma cidadezinha chamada Bueno Brandão… No entanto Gustavito não era feliz pois ainda não havia conhecido sua cara metade… Um dia ao nascer do sol enquanto plantava algumas mudas de lavanda no jardim da pousada ouviu um sapateado flamenco vindo de uma das habitações… percebeu então que a dançarina marcava o compasso com tosses ritmadas… ficou muito curioso para conhecer a hóspede, pois na noite anterior havia ido até Ouro Fino comprar alguns equipamentos e deixara sua funcionária Jacira encarregada de recepcionar os turistas… Jacira, quem é que está no quarto 7??? É uma moça que chegou ontem, é muito bonita, dotô…parece até artista de novela… Gustavito ficou ainda mais curioso… mais tarde quando tirava do forno um pão de gema oaxaquenho (receita que lhe fora ensinada pela avó) viu a beldade se aproximar… – Nossa este pão está cheirando bem!!! Me desculpe a intromissão, mas era você que estava dançando flamenco ao nascer do sol, senhorita??? Sim, mas estava apenas taconeando, isto é, dando uns passinhos, se estivesse dançando mesmo iria fazer muito barulho… Onde você aprendeu a dançar??? Em Guaja de Faragüilt, na Andaluzia… Hablas español? Si, como no! A conversa se estendeu durante horas e horas… a nossa protagonista contou que se chamava Mercedes Gonzales Carbajal e que saiu da Andaluzia na adolescência, rumando para Akçaabat no litoral da Turquia (junto o mar Negro), no entanto não conseguiu se adaptar e depois de uma complicadíssima estória (que não pode ser contada aqui, uma vez que é muito extensa) foi parar em Fray Bentos na República Oriental do Uruguai, lá foi proprietária de um restaurante que servia tanto especialidades andaluzas como também delícias da culinária turca (com destaque para o Ayva Yahnisi, um cordeiro ensopado com marmelo de dar água na boca). Cansada daquele país onde tudo acontece muito devagar, Mercedes resolveu vir para São Paulo onde abriu uma nova casa, agora incorporando a culinária uruguaia também… Num dado momento da conversa ele disse: Ahora hablemos en português!!! Nós somos muito esquisitos, muito exóticos, não somos verossímeis… o leitor provavelmente pensará que este conto não engrena… Borges diz que os leitores devem acreditar que os personagens vivem além do que o autor escreve sobre eles, por exemplo, nos momentos que os leitores não veem determinada personagem estes devem imaginar que a personagem dorme, sonha e exerce outras funções, caso contrário a personagem se torna irreal!!! Nossas vidas são muito malucas… nós definitivamente não somos reais… na verdade isto não passa de uma grande palhaçada…. Não, não é bem assim – respondeu ela – vamos ler a primeira parte do conto… Depois da lerem a primeira parte deste conto ela pediu um café e continuou com o seu argumento: Se não somos reais, ninguém é real uma vez que, parafraseando o mesmo Borges, tanto nós quanto o leitor leram a primeira parte de conto, o que nos torna iguais, de modo que se para o leitor nós somos fictícios, para nós quem é fictício é o leitor, então todos nós somos irreais… Mas nós somos reais… replicou ele dando um leve beliscão no braço dela – Não dói??? – Dói… – Então qual a sua verdadeira identidade??? – É Jussara Mainara, e a sua??? – É Ubiratã Ubirajara… – Nossa, até rima… – Quem sabe não seja… – Uma solução…

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