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O TRIGÉSIMO SEGUNDO METRÔ

No mesmo dia que chegara em Paris, Persius Bonairent resolveu tomar um café na Galerie Vivienne… na verdade um dos motivos da escolha da capital francesa como local de férias era a possibilidade conhecer aquele lendário local, que fora cenário do conto “El Otro Cielo” de Júlio Cortázar. Neste conto, o protagonista viaja de Buenos Aires à Paris (e vice-versa) através da Pasaje Güemes e da Galerie Vivienne, ou seja estas galerias (a primeira situada na capital platina e a segunda na capital francesa) eram portais por onde ele saia de uma cidade e chegava na outra. Persius gostara tanto deste conto que fora mais uma vez à capital platina somente para conhecer a Pasaje Güemes… agora só faltava conhecer a contraparte gaulesa.

Ao chegar na galeria ele sentou-se à mesa do Bistrot Vivienne e depois de olhar a clássica loja de vinhos, Maison Legrand et Fils, que ficava no lado oposto do bistrô, resolveu pedir um “pichet du vin” no lugar do café. Mal começou a bebericar resolveu desenhar o local. Quando acabou o desenho notou que uma velhinho o observara atentamente. Convidou-a para sentar e acompanhá-lo no vinho… começaram a conversar e logo descobriram que ambos eram aficionados em tangos antigos… Então Persius perguntou se o velhinho já lera algo de Júlio Cortázar… o ancião disse que não, que não lera, porém que este nome não lhe era estranho… depois de um tempo perguntou a Persius se este tal de Cortázar era um sujeito alto e barbudo que morara em Paris…

– Este mesmo, por quê, você por acaso conheceu-o? Perguntou o nosso protagonista em seu francês quase sem sotaque.

– Sim… foi uma das poucas pessoas sobre que falei a respeito da trigésima segunda composição do metrô, uma vez que este assunto eu só posso comentar com pessoas que já foram para a capital argentina… Você, embora brasileiro, pelo que conhece de tango, já deve ter estado lá…

– Claro que estive, todo ano sempre dou um jeito de dar uma passada lá, seja para comprar um livro na Calle Corrientes, seja para comer um bife de chorizo…

– Então preste atenção… se você gosta de Buenos Aires, vou lhe dizer algo muito importante… algo que só falo para pessoas especiais… quando você estiver no metrô, não pegue a primeira composição… espere passar trinta e uma vezes e então entre na trigésima segunda composição… mas preste atenção… conte direitinho… a coisa só acontece se você entrar na trigésima segunda vez… você irá ver que acontecerá algo muito inusitado… esta composição do metrô irá levá-lo diretamente a capital platina… Deixe que eu pago o vinho… amanhã me encontre aqui no mesmo horário e me diga o que achou… se puder me traga um CD do Roberto Goyeneche acompanhado de Juanjo Dominguez ao violão…

O nosso protagonista observou o velhinho pagar a conta, se levantar e desaparecer em meio aos corredores da galeria Vivienne.

– Nossa… cada maluco que eu atraio… que velho doido – pensou Pérsius Bonairent.

Porém só de farra ele resolveu entrar no metrô mais próximo, no caso a estação Pyramides (na linha 7) … Eram 14:05 hs quando ele chegou na plataforma na direção Villejuif-Louis Aragón… esperou o metrô passar trinta e uma vezes… na trigésima segunda estanhou que os vagões estavam todos vazios… “Deve ser coincidência”- pensou enquanto entrava no vagão… porém ao chegar na estação seguinte deu-se a revelação: ao invés da estação Palais Royal Musée du Louvre, como seria natural, estava na estação Pueyrredón… era isto… tal qual as galerias do conto de Cortázar a trigésima segunda composição do metrô também era um portal que fazia a comunicação entre as cidades… O nosso protagonista permaneceu no metrô e verificou que a próxima estação era a Palais Royal Musée du Louvre, ou seja estava de volta a Paris… quando ia descer se lembrou do pedido do velhinho: o CD do Roberto Goyeneche acompanhado de Juanjo Dominguez… Permaneceu no metrô e desceu na próxima estação… no caso la estación Aguero…

Lá fora procurou uma casa de câmbio para trocar os euros por pesos… esperava que em Buenos Aires fosse mais cedo, porém descobriu que eram 14:17hs na capital platina: ou seja o fuso horário não existia na transposição destas portas dimensionais… Após conseguir os pesos, foi até uma loja de discos para comprar o regalo para seu novo amigo… saindo da loja, lembrou-se que estava perto do Museu Xul Solar (que fica na Calle Laprida 1212) e resolveu visitá-lo mais uma vez… antes de voltar para Paris comeu um sanduíche de bife a milanesa e bebeu uma gaseosa de pomelo…

II

Devido a recente descoberta, o nosso protagonista passou a ir assiduamente as capitais francesa e platina, pois agora ele só voava e se hospedava em Buenos Aires (o que é muito mais barato), além do fato que não precisava enfrentar horas e horas de avião para cruzar o atlântico… eram só duas horas e meia até o Aeroparque, depois se instalava em algum hotel confortável, ia até a estação de metrô mais próxima, esparava trinta e uma composições passarem e entrava na trigésima segunda e pronto: já estava em Paris!!! Dava até para ir nos feriados…

Mas Persius Bonairent não era um sujeito mal-agradecido não… ele sempre passava na Bistrô Vivienne e ficava esperando o velhinho, quando este chegava o nosso protagonista lhe entregava um pacote com alguns CDs de tangos, depois se sentavam e tomavam um vinho e ficavam a falar sobre a vida… no início deste ano porém o ancião não estava mais lá… justamente quando Persius levara um CD da Jacqueline Sigaut, uma cantora argentina com nome francês que está surgindo agora… O nosso protagonista perguntou pelo velhinho e descobriu que faz tempo que ele não aparecia… – “Será que ele morreu?” – pensou…

Aquilo o abalou profundamente, tanto que ele resolveu pegar o primeiro, (quer dizer o trigésimo segundo) metrô para Buenos Aires e tomar um copetin em um bar que fica em frente a passaje Güemes… Eis que ao chegar lá, adivinhem que ele encontrou??? Ninguém mais, ninguém menos que o velhinho em carne e osso… Este abriu os braços para Persius e após um abraço disse, agora em um espanhol com bastante sotaque:

– Tudo bom? Sabe… vou te confessar uma coisa… quando te contei aquela estória do trigésimo segundo metrô eu estava brincando… mas quando você voltou com o CD do Goyeneche suspeitei que a coisa funcionasse de verdade… depois de um tempo tomei coragem e vim aqui para a Argentina… minha vida melhorou muito… aqui não faz tanto frio… e com aquela aposentadoria miserável que o monsieur Sarkô quer diminuir a todo custo, a vida lá está muito cara… agora não… eu saco o dinheiro em Paris e venho para cá gastar, com o câmbio bem mais favorável… de vez em quando eu volto, para comprar algum livro, uma garrafa de Calvados ou uns queijos, mas no mais a vida aqui é bastante boa, os vinhos são potáveis e a carne aqui é magnífica… e digos mais: já arrumei até uma companheira…

Nisto, o nosso protagonista vê uma senhora (talvez um pouco mais moça do que ele) se aproximar.

– Florinda! Quero te apresentar o meu amigo brasileiro, de quem tanto te falei!!!

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