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Outro dia mau pai encontrou um antigo artigo escrito por Helena Silveira a respeito do meu avô… eis aqui o artigo:

UM CLIMA CHAMADO MARTINS

José de Barros Martins faz anos e, justamente, eu recebia há pouco o bonito livro comemorativo do trigésimo aniversário de sua editora. Fico a pensar nas duas casas, a da rua Abílio Soares e a da rua Rocha, plasmadas à imagem e semelhança desse homem profundamente humano que tenho por amigo, precisamente há vinte e quatro anos, quando me iniciava nas letras, julgando-me como todo iniciante um Proust com uma saga imensa para contar. O meu querido Edgar Cavalheiro levou-me à editora que então se equilibrava na ladeira São Francisco, por cima da livraria. Da editora à casa de Zé de Barros foi um passo, pois que uma e outra se interligam. Em dias de aniversário ou comemorando a visita ou o feito de um amigo, houve jantares magníficos, bate-papo gostoso, sarabanda dionisíaca tecendo arabescos entre salões e jardins.
E a verdade é que, pedindo contas à memória, verifico uma coisa uma coisa singular. Não existe só um homem Martins. Existe um clima chamado Martins. Com a mulher Edith, os filhos José Fernando e José Antonio, o patriarca José é uma espécie de hóstia quadripartida, tendo cada partícula a mesma essência que fica impregnando residência e editora. O frequentador dos dois núcleos sabe o que espera a cada visita, porque o tempo corre, põe brancuras nos cabelos, rugas no rosto, mas não altera o clima específico.
Lembro-me de certa noite com Almirante fazendo o histórico de nossa música popular. Nós o envolvemos numa ciranda que saiu depois, rua afora, cantando a modinha de um pré-carnaval carioca na aurora do século:
Que bela rosa
Que belo jasmim!
Eu vi o triunfo lá
No seu jardim!
Luís Lopes Coelho e Dinah lideravam a turma. E o anfitrião e Edith e Paulo Mendes de Almeida e Aparecida e mais tanta gente das artes e das letras cantavam e dançavam sob o céu que a madrugada empalidecia…
Sartre e Simone de Beauvoir chegam em São Paulo e Jorge Amado os leva para um almoço Martins. Entre editora e casa foi que conheci um homem chamado Caymmi, outro chamado Clóvis Graciano, uma escritora chamada chamada Lúcia Machado de Almeida e mais um Otávio Tarquinio de Sousa e Lúcia Miguel Pereira. Em casa de Martins jantamos Érico Veríssimo, Vinicius de Morais, sem falar nas cadeiras cativas ocupadas por Guilherme e Baby de Almeida, Sérgio Buarque de Holanda, Di Cavalcanti, o outro Sérgio inesquecível, Milliet, Ligia Fagundes Telles, Menotti del Picchia, e Guilherme Figueiredo e Marques Rebelo e Enio Silveira, Oswald de Andrade, Mario de Andrade, João Cruz Costa, Rubem Braga, Mario Cravo, Joel Silveira, Franklin de Oliveira, José Lins do Rego, o grande Lobato, foram ou são ainda imantados pelo nosso charmoso Martins.
Editora e lar de José de Barros Martins são uma espécie de angra apaziguadora onde barcos, chalupas, veleiros, iates, jangadas, navios da literatura nacional vêm aportar, cansados do vasto mar da indiferença brasileira.
Sim. Antes de mais nada, esse clima chamado Martins é benéfico às nossas letras. Eis que Zé de Barros não é só com seus filhos, sua mulher e, agora, suas noras e mais tarde (tenho a certeza) seus netos, o grande arquiteto de nossos livros, o engenheiro que sabe lançar sobre a nação as pontes de nossas ideias. Ele é o grande amigo do escritor – esse injustiçado de uma nação tão pouco alfabetizada.

(Helena Silveira)

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