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OS HERÓIS DO FAROESTE

Josias Germano almoçou em casa: arroz requentado e o resto do peixe empanado com curry e farinha de grão de bico ao molho de iogurte com alho e hortelã (Tali Machli) uma receita indiana que ele e sua esposa Marília Olávia haviam feito para o jantar da noite anterior, no qual convidaram seu cunhado Ismael.

Naquele sábado o nosso protagonista almoçava sozinho, pois sua fiel escudeira estava trabalhando… após a refeição ele iria a pé até um shopping center próximo de sua residência assistir ao mais recente filme de Tarantino…

Durante o almoço ligou a televisão a começou a assistir “Giù la testa” (“Quando Explode a Vingança”) que o cineasta italiano Sergio Leone dirigira em 1971… após o almoço, bebeu uma dose de um bourbon de excelente qualidade e assistiu um pouco mais do filme… achou esquisito que o filme (ambientado na Revolução Mexicana, que ocorreu em 1913) mostrava um ex-terrorista do IRA (Exército Revolucionário Irlandês) dirigindo uma motocicleta um tanto moderna para a época… mais tarde, pesquisando descobriu que a organização revolucionária irlandesa existente na época não era o IRA e sim o I.R.B.” (Irish Republican Brotherhood) e que a motocicleta usada era um modelo de 1928…

Chegou em cima da hora, mas achou que não haveria problema… ledo engano: nestes cinemas de shopping tipo um, dois, três, quatro, cinco e seis, a bilheteria era unificada e a fila multiplicada… após quinze minutos constatou que ainda estava na metade da fila, que estava quente, que as conversas boçais ao seu lado o estavam irritando, que era um absurdo ficar meia hora na fila para assistir um filme… e foi embora…

Caminhou pela Avenida Paulista se lamentado não ter ficado em casa assitindo o filme de Sérgio Leone, depois pensou sobre o fim dos cinemas de bairro e o império dos cinemas de shopping… lembrou-se de antigas salas de cinema: o Cine Comodoro na Av. São João, o Cine Bijou na Pça Rossevelt, o Cine Niterói na Av. Liberdade, O Cine Metrópole na Av. São Luiz, O Cine Marabá na Av, Ipiranga, O Cine Paissandú na avenida homônima, o cine Biarritz na R. Brig. Luiz Antônio… alguns cinemas sobreviveram: o Astor virou o Cine Livraria Cultura, o Majestic virou o Espaço Cultural Itaú, mas a maioria fechou…

Andou um pouco mais até chegar em uma livraria, lá comprou “Cartas a Nora” de James Joyce , entrou em um café e pediu um expresso e água com gás… abriu o livro aleatóriamente e se deparou com o seguinte texto:

”Amei nela a imagem da beleza do mundo, o mistério e a beleza da própria vida, a beleza e o destino da raça do qual sou filho, as imagens de pureza espiritual e de piedade nas quais acreditei quando criança.

Sua alma! Seu nome! Seus olhos! Eles se parecem com belas e raras flores silvestres azuis crescendo em alguma sebe emaranhada e molhada de chuva. E eu senti sua alma estremecer junto da minha, e murmurei seu nome para a noite, e chorei ao ver a beleza do mundo passar como um sonho através dos seus olhos.” (*)

Percebeu que os grandes artistas são como os heróis solitários dos faroestes, em meio a toda adversidade, a toda aridez cultural, eles irrompem de tempos em tempos para desafiar a boçalidade dominante, depois partem, deixando neste mundo a sua marca derradeira…

Depois de tudo isto Josias Germano olhou no relógio e viu que já era hora de buscar sua esposa no trabalho e tomar um aperitivo apreciando o fim de tarde…

(*) James Joyce – Tradução: Sérgio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante

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