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Pouca gente sabe, mas no início dos anos oitenta participava de um grupo musical muito bom, que tocava uma música dodecafônica com toques de serialismo e outras coisas mais… chamava-se Dentro do Piano alguns integrantes viraram músicos como o André Magalhães, Paulo Padilha, o Sérgio e Sidney Molina… outros se tornaram arquitetos, atrizes, físicos entre outras profissões…
As pessoas menos informadas, falavam que éramos uma imitação de Arrigo Barnabé, sem saber que a mistura de música atonal com música brasileira começou bem antes, na verdade o primeiro com o disco do gênero é “Dédalus” de Marcus Vinícius de 1970… depois apareceu Alcides Neves que lançou um LP com uma mistura de música nordestina com música dodecafônica chamado “Tempo de Fratura” em 1979… então era um gênero músical que estava sendo explorado, ninguém imitava ninguém, cada um tinha o seu estilo, nossas letras não eram flash-backs do cotidiano, nem eram sociais… nossas letras estavam mais próximas da estética do Cinema de Invenção (ou Cinema Marginal), isto ocorreu sem querer, pois na época nenhum de nós já tinha visto qualquer filme do gênero. Quanto ao som, o vocal tendia mais para o jogral-radiofônico, com um pianista genial (uma espécie de Jimi Hendrix do piano, que abria o tampo do instrumento e harpejava enfurecidamente as cordas expostas), um violonista-concertista e uma banda competente…
Outro dia uma das integrantes, a Maria Paula, mandou-me um arquivo com letra de “Maldição Número 1”, a nossa melhor obra, quando eu conseguir o audio, prometo que publico.

O Dentro do Piano era composto por Aline (vocais), Maria Paula Zurawski (vocais), Aluísio Dutra Jr. (baixo), André Magalhães (bateria), Baixo Ribeiro (percursão), Cristian (vocais), José Geraldo Martins (guitarra), José Roberto B. Oliveira (piano), Paulo Padilha (violino), Sérgio Molina (guitarra) e Sidney Molina (vilão).

MALDIÇÃO NÚMERO 1 (1981)
(Sidney Molina/ José Roberto B. Oliveira)

1 – Por que você me trouxe até aqui?
2 – Não temas…
1 – Aonde você vai? Não me deixe aqui!
2 – Venha, venha…
1 – Estamos ilhados. As águas, as águas! Vamos ser tragados!
2 – Para sempre! Para sempre!
1 – Mas eu nunca pulei dessa altura antes.
2 – Então vire à direita, sempre à direita.
2 – O sexto degrau, o sexto degrau!
1 – Não, o sétimo, o sétimo!
2 – O sexto, desça até o sexto degrau.
2 – O sétimo, sim, o sétimo!
2 – Volte… volte… volte para o décimo primeiro…
1 – A porta.
2 – A porta.
1 – A porta, agora?
2 – A porta.
2 – A porta.
1 – Então… a porta.

1 – Aaaaaah! Essa luz… essa luz!
2 – Intensa.
1 – O astro está em chamas.
2 – Mas as Escrituras, as Escrituras!
1 – Não, eu não respiro ar condicionado.
2 – Rasteje, rasteje de volta (com toda a força!)
1 – Não.
2 – Pule a cerca de arame.
1 – Mas como, se a laje está cheia de óleo?
2 – A verdade é uma só.
1 – Quando, quando?
2 – E a múmia?
2 – A múmia… a múmia do faraó!

1 – Não…! Todos os homens são diferentes. Os vírus, os vírus, mate-os com a faca, aaai!
Está muito frio aqui fora…

1 – Não me lembro de mais nada.
2 – Beba isto.
1 – Mas como? Mas como?
2 – Isso é problema seu.
2 – É. Isso é problema seu.

1 – O cachorro está solto. Meus pés! Meus pés não me obedecem. Não consigo correr. Ele vai me pegar.
2 – Atravesse a estrada a pé, atravesse!
1 – Ahhh! Ele me mordeu. Ficou pendurado.
2 – Atravesse a faixa no meio do sinal.
1 – Não posso. Meu sapato ficou preso no formigueiro.
2 – Seu filho de uma corda! Saia do meio da avenida!
2 – Você tá estimulando o trânsito.
1 – O asfalto está muito quente!
2 – Claro! À noite ele conserva calor.
1 – Aaah! Eu quero sair daqui.
2 – Passe entre os automóveis.
1 – Mas é muito estreito.
2 – Vire-se rápido. Suas calças estão caindo.
1 – Não consigo alcançá-las.
2 – Vire-se, vire-se… Isso é problema seu.
1 – Já sei. Vou tomar o elevador.
2 – Espere. Antes atenda ao telefone.
1 – Oh! O caminhão não tem parâmetros.
2 – Está ouvindo a música? Enquanto isso, conte as notas.

1 – A ignição falhou.
2 – Então desça da árvore.
1 – Quando?
2 – Segunda-feira.
1 – estou ficando cego ou equivalente|! Fechem os meus olhos.
2 – Mas você é muito volátil.
2 – Tudo é uma farsa. Dentro do piano. Dentro do piano.
1 – Xii! O despertador não tocou.
(Toca o despertador.)
1 – Aaah!
2 – A múmia!

E à medida que a múmia se aproximava, ele ia perdendo a visão. Durante a queda, sua mente imaginava: onde será o fim do túnel?

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