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Hoje vai um genial artigo histórico-culinário escrito dias atrás pelo meu sogro, um talentoso jornalista e cozinheiro de mão-cheia:

A CANJA

Consta dos anais da Historia que o Imperador D.Pedro I gostava muito de canja. “Meu Império por um prato fundo de canja”, teria bramado em uma certa tarde em que a cozinha do palácio não lhe preparara o acepipe. Não era, contudo, uma canja qualquer que apetecia ao augusto personagem. Que não lhe viessem com uma simples e plebéia canja elaborada a partir de uma não menos plebéia galinha igual àqueles milhares de outras que ciscavam e cacarejavam pelas quintas do sonolento Rio de Janeiro daquele tempo. Mas então, há de estar a perguntar-se o amável leitor e a gentil leitora, qual seria a ave a ser abatida para o fazimento do imperial caldo, ou “cardinho”, como preferem alguns e algumas. Sim, por que não havia, como continua não havendo, que se pensar em ir às panelas com a intenção de preparar uma canja, de modo outro a não ser pelo cozimento de uma ave. De resto, nem suíno, nem vaca, nem pescado, nem caça de pelo, nem qualquer outra vianda poderia ser sequer cogitada pelos mestres cozinheiros da corte para elaboração do majestático “cardinho”. Porque ocorre, paciente leitor e atenta leitora, Pedro, o Imperador, gostava mesmo era de canja feita com um bom, honesto e caipiríssimo MACUCO. Muito naturalmente a informação nos remete à pergunta inevitável: E o que vem a ser um macuco ? – O macuco, apressamo-nos em esclarecer, é uma ave das matas brasileiras, pertencente à família dos tinamídeos, e chega a pesar, quando adulta, cerca de dois quilos. Sua carne é branca e muito saborosa o que o fez, através dos tempos, alvo preferencial de trabucos de todas as espécies e calibres. Abundante outrora, escasseia atualmente nas nossas também já raras (e ralas) matas. O que ainda não acontecia, porém, na capital do Império por que o Rio era então cercada de rica a luxuriante mata nativa onde ainda viviam e procriavam tranquilamente exemplares de toda nossa exuberante fauna , incluindo o recém-apresentado personagem, o macuco.

E era de canja de macuco que o Imperador gostava. E, como soe acontecer em casos dessa natureza, não faltava entre os serviçais do palácio quem se dispusesse a sair todos os dias à caça do pobre avejão, para que também todas as tardes, aí por volta das cinco horas, aias e mordomos prestimosos pudessem levar ao amo e senhor a reconfortante sopa. E que não a aviassem com outra ave que não o macuco. Dizia-se até que certa feita um novo e descuidado cozinheiro francês atreveu-se sugerir que canja de galinha seria algo muito mais civilizado , adequado e à altura de um nobre da estirpe de Pedro. A reação deste foi pronta e tempestuosa, tendo o pobre mestre cuca sido esfogueteado de volta à sua Gália natal no primeiro galeão que zarpou rumo a terras d’Europa.

– E dê-se o biltre por muito afortunado por estar eu em dia de bons humores, por que se me pilha em dia de azedume, passo-o a fio de espada, ou peór. Irra… os tipos que me aparecem…Onde já se viu, canja de galinha…cáspite !!!

Que fique, assim, claro que canja que se preze tem que ser de macuco. Palavra de Imperador.

Contudo, como as informações mais recentes nos dão conta de que de uns tempos para cá a ave em questão está em falta nos supermercados do centro e da periferia, e diante da constatação de que os viajantes que vendem macucos não têm dado o ar da sua graça nos Dpt/Compras dos ditos estabelecimentos, e como, de outra parte, não nos é possível e nem tampouco recomendável sair por aí, de espingarda ao ombro, à cata de um macuco disposto a levar chumbo, parece-nos mais ajuizado e, sobretudo, consentâneo com os tempos de Ibama que vivemos atualmente, pensar em uma canja de galinha, ou de frango, que é o que se encontra nos frigorificados balcões dos Amigões e Abilinhos da praça.

Isto posto e sem mais delongas, vamos ao que interessa:

Ingredientes:

500 gramas de sobre-coxa de frango sem pele e cortada ao meio. Cabe aqui uma pequena digressão: Sempre que se fala em canja nunca falta um ou outro palpiteiro para afirmar com ares de profunda sabedoria culinária, que o peito de frango é ingrediente fundamental no preparo de uma canja à altura desse nome. Conversa mole de quem não sabe nada. O peito é a parte mais insossa e sem graça do frango e, quando cozida, fica dura e com gosto de rolha. Logo, não deve ser usada na canja (em nada, aliás, por que,embora com sabor de rolha, sequer se presta para tampar garrafas). O certo é a sobre-coxa, que é de seu natural mais tenra e saborosa. Ademais, e sempre é bom lembrar, o ossinho que faz parte da peça contribui em muito para acrescentar sabor ao prato. Nada de peito, portanto. Fim da digressão.

2 a 3 colheres de óleo de milho

1 batata de tamanho médio.

1 cebola também de tamanho médio.

3 dentes de alho argentino ou brasileiro do Rio Grande ou de Piedade-SP. Outra digressão: alhos chineses, daqueles brancos, graudões, não prestam. Alho chinês não tem cheiro, não tem sabor e, numa palavra, deve ser considerado algo como lixo.

1 xícara das de chá de macarrão tipo conchinha da marca Renata.

Uma pitadinha de açafrão.

1,5 colher, das de sopa, de fubá mimoso.

Sal, pimenta, ervinhas e outros condimentos, a gosto.

Preparo

Em uma panela de pressão aqueça o óleo e dê uma fritada rápida no alho. Em seguida junte a cebola e refogue bem. Feito isso, junte o frango e dê-lhe uma frigida rápida. Junte mais ou menos um litro e meio de água previamente aquecida, tampe a panela e deixe ferver por algo entre 15 e 20 minutos (cada fogão é uma historia). Abra a panela. O Frango já deve estar cozido. Junto o macarrão e a batata, que você já deve ter descascado e picado em cubinhos. Acrescente mais um meio litro de água previamente aquecida. Junte os temperos que desejar (vale caldo de galinha e congêneres). Cuidado com o sal. Acrescente o bocadinho de açafrão. Em seguida, é só ferver, em fogo médio e com a PANELA ABERTA, por mais uns 10 minutos (cada fogão tem um temperamento ou temperatura) e, quando estiver tudo bem cozido e experimentado, junte a colher e meia de fubá previamente dissolvida em um bocadinho de água fria. Mais dois ou três minutos e está pronta a canja. Tampe a panela e deixe descansar (pra “chegar”), aí por uns deis minutos e ponto final.

A esta altura já estou a ouvir o vozerio de protesto de umas e outras que aos brados reclamam:

– Isso não é canja, nem aqui nem na Espanha !!! – Isso não passa de uma sopinha de conchinha muito da mixuruca !!! Eu quero é canja com arroz e pedaços de peito de frango meio que desfiando !!!

Diante disso, cabe-me obtemperar que, como comprovadamente o peito do frango tem sabor de cortiça, como não temos e tampouco viremos a ter, em futuro próximo ou remoto, um bom, honesto e gordo macuco disponível, como não encontramos nos “classificados” dos jornais anúncios de caçadores de macucos dispostos a mudar essa realidade e, sobretudo, como por Decreto Imperial canja não pode ser de galinha mas sim de macuco, fica estabelecido que, como não somos imperadores e muito menos temos macucos, a nossa canja deve ser preparada seguindo-se a receita acima detalhada. Que é, ademais, a sopa de que o autor mais gosta. O arroz é detalhe sem importância na feitura de canja. O arroz é bom pra fazer paella e à moda carreteiro. E também pra comer com feijoada. Ou com filé com molho de mostarda. Não faz falta na canja. O certo é macarrão de conchinha. Renata.

E Estamos conversados.

( José Moralez )

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