Skip to content

O FILÓSOFO-MESTRE

O professor distraiu-se por um momento e ficou pensando na paisagem da rodovia Rio-Santos, no trecho entre Ubatuba e Parati… depois fez uma comparação (um tanto sem sentido) com a rodovia que liga Purmamarca a San Pedro do Atacama em que a divisa da Argentina com o Chile está a cerca de 5.000 metros de altitude… de repente a pergunta de um aluno:

– Professor, o que o senhor com sua vasta experiência, tanto na filosofia como na vida, pensa sobre os times de futebol do interior que estão trocando de nome e de cidade??? Não seria, sob o ponto de vista da filosofia pré-socrática, uma vitória de Heráclito sobre Parmênides???

O professor sentiu uma certa ironia na pergunta… pensou que os alunos apostavam que ele não sabia que o Guaratinguetá Futebol Ltda recentemente se transformara em Americana Futebol Clube Ltda, saindo do Vale do Paraíba e se transferindo para a região metropolitana de Campinas, e também que ele desconhecia o fato do Grêmio Esportivo Barueri ter se transformado em Grêmio Prudente Futebol Ltda. (desta vez foi só seguir as Rodovias Castello Branco e Raposo Tavares até o fim)… pensou também que o aluno arrogantezinho estava se sentindo inteligente no meio dos colegas porque fazia um paralelo da situação destes times que mudam de cidade com a filosofia de Heráclito, que declara que tudo muda, que as coisas fluem, filosofia esta que é antagonizada pela filosofia de Parmênides que afirma que nada muda. Por isto a “vitória de Heráclito sobre Parmênides”.

O professor olhou seus alunos demonstrando calma e segurança, sorriu levemente e por fim disse:

– Se vocês gostam tanto de filósofos pré-socráticos leiam Demócrito de Abdera, que afirrma que o riso torna o homem sábio…Quanto a estes times de futebol que mudam de cidade e de nome, afirmo que em primeiro lugar, sob o ponto de vista futebolístico é uma grande sacanagem com as divisões inferiores… quem estava classificado para a primeira divisão do Campeonato Paulista era o Guaratinguetá, se eles resolveram mudar para Americana que voltem disputando a Terceira Divisão. Em segundo, sob o ponto de vista sociológico é uma forma de tirar a identidade dos habitantes das cidades do interior: o morador de Presidente Prudente deve torcer pela Prudentina, o torcedor de Americana deve torcer pelo Rio Branco, e não para estes times inventados pelos empresários que não tem raízes nas cidades. Em terceiro lugar, agora sob o ponto de vista filosófico, penso que o caso destes times devem ser analisados pela ótica da teoria da hiper-realidade e da teoria do simulacro de Jean Baudrillard… Agora, sinceramente, acho que vocês deveriam parar de se preocupar com tais besteiras e ouvir mais as pessoas simples… parem, conversem, perguntem, percebam como estas pessoas vivem, como preparam a sua comida, como se divertem, ouçam sobre como são os sonhos destas pessoas… percebam como está o mundo em sua volta… joguem fora estes micro-walkmans que vocês chamam de i-phones e liguem o rádio… isto mesmo… o rádio de pilha… eu sempre ando com um radinho, ouçam…

O professor então ligou seu rádio de pilha (que sempre permanecera desligado sobre a sua mesa), o aparelho estava sintonizada em sua estação predileta… estava tocando “Estácio, Holly Estácio” na gravação original. A voz de Luiz Melodia anunciava:

“O Estácio acalma o sentido dos erros que eu faço
Trago não traço, faço não caço
O amor da morena maldita do Largo do Estácio”

– Vejam esta frase… poeticamente perfeita… ouçam o arranjo de bolero… percebam o solo de gaita de Rildo Hora… Esta é que é a verdadeira filosofia!!!

E então os alunos ouviram o resto da canção e compreenderam…

Post a Comment

Your email is never published nor shared. Required fields are marked *