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UM DIA NA CIDADE

Josias Germano chegou ao ponto de ônibus cismado… depois de anos e anos andando de carro ele compreendeu que já não estava mais acostumado a usar o transporte coletivo… agora ele tinha um bilhete único e iria usá-lo pela primeira vez: “basta encostar o bilhete no controle junto a catraca que um letreiro eletrônico anunciará o desconto no saldo do cartão e você passa na boa”, foi o que falou sua esposa Maria Olávia.

Entretanto ele estava apreensivo, afinal algo sempre pode dar errado… porém foi tudo normal… Chegou ao centro “super-rápido”, afinal valera a pena a opção pelo transporte coletivo, pois havia realizado o trajeto confortavelmente em apenas quinze minutos… agora ele iria trabalhar no centro da cidade no prédio da diretoria da empresa… agora ele não precisava mais almoçar em shopping-center… poderia almoçar em restaurantes de verdade… e foi o que ele fez… após período da manhã, no qual ele fora apresentado para seus novos colegas de escritório ele foi realizar algo que sempre desejara: almoçar no Itamarati, no Largo de São Francisco, um restaurante com mais de cinqüenta anos, freqüentado pelos seus pais e avós…

Ao entrar já se surpreendeu: deu de cara com um legítimo “capitão”, ou seja um daqueles porteiros de quepe e paletó-jaquetão com botões dourados, cuja única função era abrir a porta e dar bom dia aos fregueses… (mais tarde ele descobriu que não era bem a única função pois o “capitão” para fugir do tédio ajudava na arrumação das mesas)… depois continuou gostando: num amplo salão com paredes de lambris de madeira decorado com cartazes antigos de sorvete, uma brigada de garçons-garçons (*) servindo pratos clássicos do tipo leitão a pururuca, salsichão com salada de batatas, lula a provençal , etc… para começar pediu uma empadinha (**) depois um arroz-de polvo (***) e pudim de leite, para beber água com gás e café…

Depois o nosso protagonista, ao sair do Itamarati reparou no Largo de São Francisco e lembrou do novo Papa, jesuíta como o Padre Antônio Vieira… “James Joyce estudou com os jesuítas, já Paulo Leminsky estudou no Mosteiro de São Bento, que fica perto daqui” – pensou…

O “segundo-tempo” do trabalho foi normal… conseguiu sair a tempo de “pegar” a galeria do Rock aberta… chegando lá foi logo na clássica Baratos Afins e lá encontrou uma raridade: O Long-playng (elepê) “Standing Ovation”, no qual a genial cantora Gladys Knight canta “Help Me Make Through The Night” a canção-tema do filme “Fay City” dirigido por John Huston…

Antes de entrar no metrô, teve tempo de apreciar a pintura de Maurício Nogueira Lima (um tanto desgastada) na empena de um prédio no Largo de São Bento voltada para op Mosteiro onde Paulo Leminsky estudou… depois dentro do vagão lembrou-se da coreografia característica que era feita pelo grupo que acompanhava Gladys Knight: um grupo vocal chamado The Pips… “se os craques de hoje que fazem estas dancinhas ridículas na comemoração dos gols, assistissem a um clip dos The Pips morreriam de vergonha” – pensou.

Ao chegar em casa encontrou sua cara-metade Marília Olávia e se sentiu como um Ulisses retornando a sua Ítaca… argumentou para ela que o retorno ao aconchego do lar é um dos temas clássicos da literatura… e que cada dia é uma pequena Ilíada… depois foram no restaurante da portuguesa, que fica no outro lado da rua…

(*) garçons-garçons significa garçons de verdade: pessoas maduras vestindo smoking jacket com gravata borboleta, nada daqueles estudantes vestidos de preto e gel no cabelo

(**) um parente dissera que o salgado era uma das marcas registradas do restaurante e que só tinha empadinha de palmito – “não adianta pedir empada de frango ou de camarão que não tem!”

(***) O nosso protagonista lera uma crônica sobre o referido restaurante que enaltecera este prato, crônica esta escrita por Zelino Zamparini, autor de “Lágrimas Gargalhantes”, um dos livros preferidos de Josias Germano.

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