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boteco

QUE SAMBA BOM

Naquela noite de quinta-feira, Josias Germano, cansado de tanto trabalho estacionou seu carro na rua Sampaio Viana e foi a pé buscar sua cara-metade Marília Olávia no hospital onde ela trabalha… o plano era ir para um destes bares sofisticadinhos para fazer um mais que merecido répisauer com cerveja indian pale ale e bruscheta de aliche… porém ao passar na esquina da referida via com a rua Cubatão o nosso protagonista ouviu algo que não acreditou estar ouvindo… era simplesmente o samba “Que Samba Bom” (Arnaldo Passos/Geraldo Pereira) que estava sendo cantado por um grupo de samba em um botecão na esquina em questão… como estava um pouco adiantado ele resolveu entrar e tomar uma cachaça enquanto dava a hora de sua esposa sair da labuta… não costumava tomar cachaça… só tomava pinga antes de comer feijoada ou virado à paulista, no mais das vezes preferia um bom vinho, uma cerveja especial ou os famosos coquetéis clássicos (dry-martini, manhatan, negroni, mint julep, etc.) mas desta vez resolveu tomar uma boa cachaça de alambique…

A arquitetura do bar era como a de qualquer boteco: piso de lajotas cerâmicas, parede forrada de azulejos, mesas de fórmica, geladeira de marca de cerveja, televisão ligada (sem som, é claro), painel com fotos das porções e dos pratos principais, etc… O nosso protagonista notou algo estranho no grupo que tocava este samba clássico… rapidamente descobriu o que era: era um conjunto de cegos… reparou então que diferentemente da música estadunidense com sua tradição de bluesmen cegos (*), na música de Pindorama não existem sambistas cegos famosos…

Após um plantão de doze horas, Marília Olávia adorou na sugestão de irem no botecão ouvir aquele conjunto tão peculiar… Ao chegar instalaram-se em uma mesa perto da roda de samba… os músicos estavam no intervalo e comiam sanduíches e bebiam cerveja em um mesa próxima num clima de plena descontração… os nossos protagonista então pediram cerveja em balde com gelo e carne seca com mandioca…

Quando os sambistas retornaram uma sucessão de sambas clássicos: “Não Tenho Lágrimas” (Max Bulhões e Mílton de Oliveira, sucesso no carnaval de 38), “Leva Meu Samba” (Ataulfo Alves), “Argumento” (Paulinho da Viola), “Com Que Roupa” (Noel Rosa) “Iracema” (Adoniran Barbosa) “Mora na Filosofia” (Arnaldo Passos/Monsueto), “Escurinha” (Arnaldo Passos/Geraldo Pereira) , “Silêncio No Bexiga” (Geraldo Filme), “Poeta de Rua” (Gilson de Souza), “Aos Pés da Santa Cruz” (Lauro Maia), “O Bonde São Januário” (Wilson Batista/Ataulfo Alves), etc…

Em meio àqueles sambas clássicos Josias Germano imaginou que o nome certo para aquele grupo seria “Os Jorges Luíses Borges do Samba”… depois reparou na alegria dos sambistas, especialmente do baterista (**) que parecia estar em transe… então pensou em si mesmo e se envergonhou… no mês passado esteve em Sevilha e após um surto filosófico, resolveu que não iria mais se dedicar ao desenho e a pintura, sua grande paixão… agora vendo aqueles cegos executarem com maestria as canções clássicas do samba percebeu como sua resolução era um tanto quanto ridícula… ele pleno dos cinco sentidos deveria sim lutar, lutar & lutar para que sua arte prevalecesse em meio a mediocridade generalizada… então retirou do bolso sua lapiseira 2,5 mm – grafite 6B e começou a desenhar o grupo de sambistas na toalha de papel…

(*) Blind Lemon Jefferson, Blind Willie Mc Tell, Blind Mississippi Morris, Sonny Terry, Ray Charles, Cortelia Clark, etc.)

(**) A presença de uma bateria em uma roda de samba é objeto de discussão… muitos dizem que ela é absolutamente desnecessária, uma vez que o samba é a junção de vários instrumentos percursivos (pandeiro, tamborim, cuíca, surdo, etc), porém apareceu um tal de Milton Banana e provou que a coisa não é bem assim…

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